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quinta-feira, março 25, 2004

QUANDO FIZERAM SOPA DE MIM


Por duas vezes já fizeram sopa de mim, sem que eu tivesse força para lutar contra, sem poder deter a faca que me fatiava como aquelas cenouras que o jacaré fatiava nos desenhos do pica-pau. Era sopa de pica-pau. Eu assistia passivo e ria. E assim, mais tarde, fizeram sopa de mim. Eu não consegui rir. Nem rio agora. Ironias.
Não visitei nenhuma tribo canibal, não. Fizeram pior. Quando fazem sopa com a gente o sofrimento é dobrado e incrivelmente a gente acaba sendo forçado a comer a iguaria. Tudinho. Até inclinar o prato. E digerir.
O propósito disso, deve ser desígnio Dele, e compreende daqueles ensinamentos que ficam para a vida toda. Depois que fazem sopa com a gente, que fervem até amolecer a carne, que temperam com lágrimas, a gente muda. Demora, mas muda.
Nas duas vezes que fizeram sopa de mim eu reagi do unico jeito que sabia: gritando, esperneando e me punindo às escondidas. Reações estranhas que desenvolvi em algum momento dessa vida, em algum ponto em que aprendi (talvez erroneamente) que ser homem é não reagir assim. Pelo menos não em público. Então a pose de forte sempre chega antes. As lágrimas da criança depois, no escuro de mim mesmo, às escondidas. O sabor foi sempre amargo, e quando lembro, ainda posso sentir o desagrado no dorso da lingua. Mas a sensação de ter sobrevivido não tem preço. Nas próximas vezes que quiserem fazer sopa de mim, vou ser menos resistente. Afinal, depois que tudo passa, a gente vê não o resultado tão ruim assim. Talvez por isso, quando disserem que você não cozinha mais na primeira fervura, tome como um elogio. Quer dizer que já fizeram sopa com você e você sobreviveu.
Ficou com um gosto amargo?

 

Esta sopa ficou pronta às 4:21 PM

 



SOPA






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