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sexta-feira, outubro 01, 2004

HISTÓRIAS DA MARIAZINHA

Lembrei de uma história:

Naqueles tempos idos, lá distantes e amarelados, vivia-se uma vida um pouco menos corrida e o imaginário infantil parecia mais rico, ou pelo menos tinha mais tempo pra ser bordado nos tecidos da cabeça da gente, e por isso as histórias das crianças daquela época permanecem até hoje. Às vezes penso se as crianças dos dias corridos e tecnológicos de hoje terão, no futuro, histórias tão ricas para contar. Tomara que possam falar de coisas mais vívidas do que chats de internet e joguinhos eletrônicos. Tomara.

Pois bem, Mariazinha era a segunda de seis filhos. Uma família grande, de pai médico e mãe jovem, muito jovem. A Mariazinha vivia feliz, brincava muito, ajudava o pai e sempre, sempre, desde pequena gostou de acreditar. Acreditar em fantasmas, acreditar em discos voadores, imagino até que naquela época acreditava piamente em saci e bicho-papão. Ela acreditava e pronto. Ou melhor, acreditava e agia.

Pois a Mariazinha tinha irmãos e primos um pouco maiores que ela, seus ídolos, e eles sempre ajudavam a menina a acreditar, acreditar era bom e, para os mais velhos, era divertido, já que a pequena menina tomava as próprias providências depois de acreditar nas histórias deles. Pois um dia, o pai anunciou que iam todos a uma festa. Iam todos a um baile, como se fazia muito naqueles tempos, com crianças, inclusive. A festa era numa fazenda vizinha, e o irmão mais velho, Sílvio, vendo naquilo uma grande oportunidade, disse à pequena Mariazinha que aquila notícia era um problema. Dos grandes. Um problemão sim, porque teriam que dormir lá, e o Chico Napa, e sua casa, segundo Sílvio contou pra Mariazinha, tinha um grande problema.

A pobre criança, apavorada com a história que o irmão tinha lhe contado, e sabendo que não poderia evitar a ida à festa, tratou de providenciar rapidamente uma estratégia. Pegou um banquinho de três pés e carregou-o, sob os protestos da mãe e do pai, e sob as risadas disfarçadas dos irmãos, até a festa, decidida que não iria, de modo algum, sentar em nenhum dos sofás da casa, nem tocar nas cortinas, nem pisar nos tapetes. Quanto a dormir nas camas da casa de Chico Napa. Isso é que ela não faria mesmo, nem sob chuva de sapos. Sem chances.

Na festa, Maria se comportou como uma pequena atração à parte. Carregando seu banquinho de um lado para o outro, e sem tocar em nada, nem encostar em cortinas acreditando que assim sairia ilesa daquela tortura.

Mas chegou a hora em que as crianças começaram a ser recolhidas para serem colocadas para dormir num grande quarto, e Maria, apavorada, insistiu que iria dormir sentada, no seu banquinho. Mas não ia ser tão fácil quanto ela pensava. Depois de colocarem todas as crianças na cama, cataram a pequena e resistente Maria, e tentaram colocá-la, aos gritos, na cama. A cena foi muito feia. Mariazinha, uma pequena e magricela meninota de seis anos de idade, esperneando e gritano histéricamente que não iria dormir, que não queria deitar, que não queria largar o banquinho.

Quando finalmente a colocaram a Mariazinha na cama, a situação era a seguinte: a criança, chorando, deitada de costas com os dois braços e as duas pernas levantadas, tentando evitar que o lençol com o qual tentavam cobrí-la tocasse nela. Em meio a soluços de pânico, Maria revelou o segredo que lhe fora confidenciado a todos incluindo os anfitriõesm numa frase inteira que saiu entre muitas lágrimas da pobre menina estaqueada na cama lutando contra o lençol:

"Eu-não-quero-deitar-na-cama-porque-o-Sílvio-disse-que-o-Chico-Napa-tem-sarna-e-se-eu-enconstar-em-qualquer-coisa-na-casa-eu-vou-pegar-sarna-e-eu-não-quero-pegar-sarna-e-ficar-me-coçando-para-sempre-buááááá!!!"

Nem preciso dizer que sobrou pro Sílvio.


ps.:A Maria é a minha avó, que agora está doente, mas que até pouco tempo contava grandes histórias sobre a sua vida e que escreveu diários de quase uma vida toda e da vida de muitos outros, que valem ouro pra mim.

 

Esta sopa ficou pronta às 9:27 PM

 



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